Revista Metrópole do jornal Correio Popular para falar sobre o excesso de prescrições de medicamentos

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Revista Metrópole do jornal Correio Popular para falar sobre o excesso de prescrições de medicamentos

Entrevista com a jornalista Janete Trevisani do jornal Correio Popular para a revista semanal que é publicada aos domingos neste mesmo jornal.

Metrópole: Há uma discussão em pauta nos consultórios terapêuticos: a quantidade de diagnósticos de depressão é ou não excessiva? Para os professores Allan V. Horwitz e Jerome C. Wakefield, a psiquiatria contemporânea confunde tristeza normal com transtorno mental depressivo porque ignora a relação entre os sintomas e o contexto em que eles aparecem. No livro A tristeza perdida – Como a psiquiatria transformou a depressão em moda, os autores mostram que a tristeza, comum a todo ser humano, vem sendo tratada como doença. O senhor concorda?

Reginaldo: O que se observa é que há um modismo de rótulos pela psiquiatria que já vem de décadas. Há um tempo atrás muitas crianças eram diagnosticadas com TDAH (Transtorno de Déficit de atenção ou Hiperatividade) como se qualquer hiperatividade ou desatenção sinalizasse um transtorno, já em outros períodos aumentou exageradamente os diagnósticos de Transtorno Bipolar. Nos últimos anos, a depressão se transformou no distúrbio mais tratado por psiquiatras. Ao mesmo tempo, o consumo de antidepressivos está sendo prescrito por médicos de todas as especialidades.

Isso provavelmente é devido:
1) Ao forte lobby da indústria farmacêutica, além disso é ela que patrocina quase todas as pesquisas na área. Nos últimos anos, pesquisadores chegaram a se recusar a publicar pesquisas porque tinham resultados negativos para a indústria de medicamentos. Hoje temos muitas indicações sobre os efeitos colaterais e os problemas quando alguém tenta diminuir a dose, como mudanças súbitas de humor ou pensamento suicida, interferência na vida sexual, com a diminuição da libido, insônia, dor de cabeça, aumento de peso, náuseas, boca seca etc. Entretanto, a indústria limita ou omite os efeitos colaterais.
2) A dificuldade que os psiquiatras tem, principalmente pelo tempo curto de suas consultas (um problema relacionado aos convênios médicos que pagam mal aos seus profissionais), o que dificulta fazer uma análise para definir adequadamente o que é normal e patológico.

3) Ao uso do Manual de Diagnósticos para Distúrbios Mentais (DSM), da Associação de psiquiatria americana, que é um manual equivocado e defasado. Nos Estados Unidos da América a classificação de doenças está relacionado ao seguro de vida e de saúde. Por sua vez, os problemas e doenças precisam ser classificados para saber quantas sessões são necessárias a recuperação do indivíduo para ser contabilizado. O DSM IV, neste sentido, é um cavalo de tróia que os psiquiatras venderam ao Mundo. Agora, dado a classificação o profissional rotula o indivíduo. Além disso, o DSM simplificou demais a depressão, especialmente o transtorno bipolar. A publicidade transformou “bipolar” em um termo do dia-dia. A psiquiatra embasada no DSM tem uma concepção estreita de normalidade, portanto criam novas doenças, como aquela para quem briga no trânsito. Não digo que seja normal, mas daí criarem um transtorno específico mostra aquilo que ela aceita como emoções humanas.

4) A pressão por agilidade que a competitividade capitalista imprime sobre o homem do trabalho e por conseqüência, em todas as esferas de sua vida social fez com que a sociedade estabelecesse um padrão imperativo de excelência profissional ou acadêmica. Com efeito, as pessoas desenvolveram baixa tolerância a frustração, ou seja, não conseguem lidar com o fracasso e esperam apenas uma alta performance em suas atividades.
5) A sociedade que estabelece um padrão de felicidade contínua fazendo com que as pessoas esperem ser felizes o tempo todo ou que estejam sempre de bem com a vida, tornando-se intolerantes com sentimentos amenos ou tristes. É como se a tristeza praticamente perdesse o direito de existir. E por conseqüência, as pessoas acabam se sentindo culpadas e envergonhadas na nossa sociedade quando estão tristes ou têm problemas. Proibir uma tristeza provocada por uma separação amorosa, pela perda de um ente querido, por uma decepção pessoal é eliminar um sentimento normal que deve ser vivido para que possa ser superado. Na verdade, muitas pessoas não sofrem de problemas psiquiátricos, mas apenas necessitam de apoio emocional por causa de uma intensa reação a alguma perda ou estresse em sua vida.
6) A idéia equivocada que desenvolvemos socialmente de que ninguém é normal, mas que medicamentos podem nos levar à sanidade.

7) A guinada em direção à Biomedicina e a Neuropsiquiatria ocorrida nos EUA que tentou e tenta definir ansiedade e depressão em termos puramente biológicos. É claro que há componentes biológicos: palpitação, suor das mãos, tremor, dor de cabeça etc. Todavia, deixaram de avaliar outros componentes, como por exemplo, o contexto sócio histórico que o indivíduo está inserido, trabalhar seu auto-conhecimento e se possível modificar os comportamentos inadequados e aumentar seu repertório comportamental mais adaptativo. Portanto, alguns países seguiram uma linha biomédica em que a solução passou a ser exclusivamente o remédio.

O medicamento que atua diretamente no cérebro tem servido a nossa sociedade como uma solução mágica e toda solução rápida deveria ser questionada. O que se observa é que tais medicamentos tem servido mais como corrimão ou muleta e por isso não ensinam o indivíduo a andar com as próprias pernas. Em outras palavras, não produz repertório que torne a pessoa independente. Ansiolíticos, antidepressivos, antipsicóticos etc não instalam comportamentos, ou seja, não ensina como a pessoa deve se comportar diante das adversidades, tais medicamentos apenas mudam a bioquímica do organismo, alterando seus sentimentos e emoções. Imagine, por exemplo, uma pessoa diagnosticada com fobia social, que resumidamente, é o medo exagerado de lidar com duas ou mais pessoas no âmbito interpessoal. Em decorrência disso, ela vai ao médico e é prescrito um ansiolítico, ela inicia o tratamento e vai ficando mais calma perante as pessoas, mas não aprende o repertório social de como iniciar, manter e finalizar uma conversa. Ou seja, suas conversas não serão saborosas e nem estimularão seus interlocutores a mantê-las.

Por outro lado é importante esclarecer que existem pessoas que precisam do tratamento medicamentoso e que por isso não podem jamais ficar sem tais fármacos e sem o acompanhamento médico especializado. Além disso, a psicofarmacologia desenvolveu-se muito nestes últimos anos e ajudou muitas pessoas a terem uma vida mais digna que se fosse depender apenas do tratamento psicoterápico continuariam em sofrimento. Inclusive os medicamentos podem catalizar, acelerar o processo psicoterapêutico. E ainda, os efeitos colaterais destes medicamentos precisam ser pensados nestes casos em relação ao custo benefício do fármaco o que muitas vezes faz valer apena seu uso. Com efeito, a resposta da pergunta vem apenas abrir uma discussão sobre a prescrição desenfreada de antidepressivos que ocorre atualmente nos consultórios médicos e algumas razões para isso.