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Gente humilde usando transporte público que vontade de chorar

Quando vou ou volto de carro do trabalho e passo pelas ruas da cidade de Campinas vejo frequentemente ao meu lado ou na minha frente ônibus lotados ou em péssimas condições de uso. Pessoas espremidas tentando sobreviver à vida ou esperando molhado nos pontos de ônibus. Quando para piorar um idiota de classe social mais abastada passa com o carro mais próximo para jogar água suja das poças nas pessoas que ali esperam o trem perdido. E a canção “Gente Humilde” de Chico, Vinícius e Garoto me toca ou toca em mim de imediato: “Tem certos dias em que eu penso em minha gente. E sinto assim todo o meu peito se apertar”. É neste instante que sinto compaixão daqueles muitos que lutam muitas vezes para ter o mínimo de dignidade. Até mesmo porque eu sei muito bem o que é isso, por ter vindo de família pobre já dependi muito de ônibus e sei muito bem como é esse transporte que muitas vezes parece até que transporta o que não é humano. Lembro muito bem, certa vez, de ter gritado de raiva para um motorista que partia com o ônibus sem mesmo esperar um senhor descer na porta traseira no ponto que havia sinalizado. Ou ainda quando eles aceleravam sem se preocupar com os passageiros porque precisavam cumprir horários. Lamentável o que muitos precisam passar. O transporte público brasileiro é desestruturado, hostil e perverso. De fato é um problema muito comum nas cidades brasileiras o transporte público de má qualidade onde há grandes populações aglomeradas. Os políticos esquecem por querer que o transporte público de qualidade está diretamente associado à saúde pública. As pessoas que dependem dele passam pelo processo de estresse crônico moderado. Elas ficam submetidas a condições adversas leves (ou as vezes “hard”), repetidas e com duração elevada. Entre os estressores mais comuns estão: ônibus cheio, temperatura elevada, barulho ou ruído aversivo, paradas e arrancadas bruscas, mesmo com sinal dos passageiros o ônibus não para, direção irresponsável dos condutores, filas gigantes, pontos de ônibus em lugares irregulares, inapropriados e mal cuidados, possibilidade de assalto ou violência, pessoas agindo de forma mal educada dentro do transporte ou nas filas, lentidão do veículo devido ao trânsito ou engarrafamento (congestionamento)…

Um dos grandes problemas disso tudo é a diminuição na qualidade de vida. Este tempo perdido faz a pessoa não ter tempo para a família, atividade física, descanso e lazer o que contribui para o rebaixamento da autoestima e aumento do estresse. Observa-se claramente que quanto maior é a jornada maior é o dano. Entre as consequências mais comuns nesta batalha diária de muitos brasileiros estão:

a) Problemas de ordem psíquica (cognitiva e emocional): irritabilidade, apatia, estresse, exaustão, tristeza, raiva. Perda de atenção, diminuição da memória e dificuldade de raciocínio;

b) De ordem psicopatológica (transtornos e síndromes): suscetibilidade a desenvolver quadros de depressão e ansiedade;

c) De ordem somática: a baixa resistência imunológica acarreta contrair doenças contagiosas. Dores e mau funcionamento do corpo;

d) De ordem socioeconômica: essas pessoas perdem tanto tempo nos transportes públicos ou chegam muito cansadas em seus destinos que não conseguem ter tempo ou forças para estudar, crescer intelectualmente e abrir oportunidades para se ascender profissionalmente. O que as mantém em classes sociais desfavorecidas, distante de seus sonhos e em desvantagem no mercado de trabalho;

e) De ordem médica: dificuldade de dormir. Cardiopatas, hipertensos e diabéticos aumentam as chances de terem crises. A chance de infarto passa a ser elevada, além de outros problemas de saúde decorrentes do estresse crônico;

Tudo isso vai afetar o rendimento na escola, no trabalho e aumentar as dificuldades socioafetivas nos mais diversos contextos sociais. Como ficar indiferente a tudo isso?

De que valeria este texto se eu apenas apontasse os problemas e consequências. Vale então mostrar caminhos. Entre as soluções possíveis para diminuir este caos estão:

a) Crescimento intelectual: aproveitar o tempo no ônibus para ler, estudar, informar-se por meio de jornais, revistas, livros e celulares e equipamentos compatíveis para a leitura;

b) Distratores: ouvir música ou puxar conversa com outras pessoas no transporte pode evitar o estresse e diminuir o cansaço;

c) Medidas adequadas de transporte público e planejamento de espaço urbano: cobrar dos políticos transporte público de qualidade e eficiente, como por exemplo, o investimento em transportes públicos alternativos (trens, metrôs, ônibus de alta velocidade…). Desenvolvimento de sistemas inteligentes para o controle do tráfego. Cobrar também para estimular empresas a situar-se em locais menos urbanizados e com fácil acesso de locomoção. Criar espaços seguros para pedestres e ciclistas. Há uma tendência clara nos países ricos de diminuição do uso do transporte individual;

d) Horários diferenciados: trabalhar ou estudar em horários mais alternativos que evite o trânsito e melhore a logística de transporte;

Por fim, enquanto não existir mudanças eficazes na área de transporte público fica apenas a compaixão e a empatia: “E aí me dá uma tristeza no meu peito. Feito um despeito de eu não ter como lutar e eu não creio peço a Deus por minha gente. É gente humilde que vontade de chorar”.