Puzzle (d): uma peça que faz pensar sobre a pequenez do brasileiro

Como bons velhos amigos
janeiro 28, 2015
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Puzzle (d): uma peça que faz pensar sobre a pequenez do brasileiro

A peça Puzzle faz temporada de 13 de fevereiro a 8 de março no Sesc Vila Mariana em São Paulo e tem ingressos a R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia). Provavelmente pela seu roteiro, direção e montagem inteligentes vai excursionar pelo país. A peça foi baseada em texto de André Sant’Anna, Haroldo de Campos, Paulo Leminski e Roberto Bolaño, o espetáculo foi criado especialmente para participar do Programa Brasil da Feira do Livro de Frankfurt 2013 e para o Mirada Festival Ibero-Americano 2014.

Puzzle em inglês quer dizer, quebra-cabeça, enigma. Perplexidade, embaraço. Esta peça  produz um pouco desses sinônimos na cabeça do espectador. Dirigida por Felipe Hirsch, um sujeito bastante criativo e perspicaz, aborda o ufanismo vazio do brasileiro, sua baixa autoestima e ignorância. Esta peça é transgressora. Ela tenta retratar a complexidade do Brasil nas suas falas e características.  Propõe reflexões sobre a cultura brasileira em um contexto global. No palco, linguagens diversas como literatura, poesia, cinema, música e artes plásticas se misturam. O roteiro tem textos bem escritos e de muita profundidade por meio de uma linguagem popular. A interpretação das atrizes da peça é espetacular. Há uma ideia de repetição que aumenta a sensação de angústia. A música de fundo (piano, acordeon, guitarra) produz sensações muito interessantes que dialogam com os personagens fazendo imergir no imaginário do discurso da peça.

A peça também retrata positivamente o movimento concretista paulista como sendo a única arte brasileira genuína dentro de um contexto mundial. Fala nas entrelinhas sobre a importância dos pichadores. Fala também sobre o isolamento de nossa língua, assim como da falta de união dos países da América latina. Fala também do excesso e importância do lucro colocando a arte como algo sem valor. Faz críticas a literatura de Paulo Coelho e ao nacionalismo barato e muito mais.

No roteiro há o policial que discorre sobre sua burrice violenta que o leva a infringir torturas desumanas à população pobre. Ele dialoga consigo mesmo (com o autor da peça) para revelar suas angustias, medos, excessos, preconceitos, vaidades e atrocidades por meio da meta linguagem. Há ainda os marqueteiros, apresentadores de televisão e o populismo evangélico como um mal gosto sem data para terminar na cultura nacional. Uma voz da estupidez. Há a mulher angustiada que não suporta o fato da verdade ser dinâmica ou ser uma ilusão dependendo da época. Ela perpassa por diversos filósofos e cientistas que marcaram a história do pensamento racional e científico. Um caminho niilista com toques de comicidade. A mesma mulher em outra cena a partir do jogo da ironia vai desenvolvendo a ideia que o brasileiro não é bom, contrariando a ideia de que Deus é brasileiro, que o brasileiro tem valores, como a cordialidade, a inteligência (é mais preocupado com o bumbum), que não é preconceituoso… Alguns personagens mostrando, em maior ou menor grau, que seus discursos são cheios de clichês, frases ufanistas vazias e rasas. Mostrando um Brasil real e com baixa autoestima, ingênuo, mal-criado, mal-educado, ignorante, que apanhou muito e que aprendeu a bater também. Um Brasil que reafirma a violência avassaladora e generalizada todos os dias e em todas as classes sociais. Um Brasil que a maioria não quer enxergar por ser constrangedor como o filme Amarelo Manga, de Cláudio Assis.

O cenário é feito de papel onde os artistas cortam e jogam tintas pretas durante as encenações produzindo a sensação de uma participação ativa de construção de ideias. Uma maneira de usar as artes plásticas como ferramenta cênica de forma conectada com a música, expressão corporal e com a fala com o mesmo denominador comum.

Felipe Hirsch não é preconceituoso em nenhum momento da peça quando disseca o discurso do brasileiro enquanto ser cheio de ideias pré-concebidas sobre si e sobre o mundo. Ele apenas relata isso de maneira clara e dramática com pitadas de humor sarcástico e irônico. Esta peça não é apenas um quebra-cabeça, mas uma miscelânea de ideias contraditórias de um Brasil contraditório. Não tem como objetivo mostrar quem é o brasileiro, mas revelar partes de sua identidade que são estúpidas. Uma crítica profunda e necessária sobre as mazelas culturais que formam e expressam a nossa identidade. Eu sai da peça sabendo que o diretor conseguiu com maestria passar sua mensagem pelas diversas formas de linguagem que usou de forma muito particular e criativa. Por isso não é preciso muita dedicação e sensibilidade para compreendê-la. A encenação dela é colocada na nossa cara como um chute no saco. Eu também sai de lá extasiado.